“Somos uma sociedade que destrata, desvaloriza e mata mulheres”, diz ministra Cármen Lúcia durante evento na Reitoria
Data da publicação: 3 de dezembro de 2025 Categoria: Notícias, Notícias de 2025A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que “somos uma sociedade ainda machista, misógina, sexista, que destrata, desvaloriza e mata mulheres”, durante evento realizado na tarde da última sexta-feira (28), no auditório da Reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC). Participando de forma remota, a ministra destacou que o enfrentamento à violência de gênero exige uma profunda mudança cultural e educacional. “O Estado só agir não é suficiente; as leis não bastam. É preciso fazer florescer outra sociedade, na qual os direitos assegurados na Constituição sejam cumpridos socialmente”, reforçou.
A atividade integrou a premiação de estudantes que participaram do projeto Arte para Transformar: Cada Traço, um Ato de Respeito às Mulheres, promovido pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), em parceria com a Secretaria da Educação do Estado (Seduc), com o Curso de Redação Prof. Diego Pereira e com a UFC – por meio da Coordenadoria de Estágios, vinculada à Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), e do Centro de Humanidades, especialmente do curso de Letras-Português. O projeto premiou redações e pinturas escolares sobre combate à violência contra a mulher. A abertura da cerimônia de premiação ficou por conta da Camerata de Cordas da UFC, sob coordenação da professora Liu Man Ying, do Instituto de Cultura e Arte (ICA-UFC).

Logo no início de sua fala, a ministra apresentou um dado alarmante. “O Brasil teve, na estatística apresentada de 2024, um assassinato de mulher a cada seis horas, e o feminicídio é apenas um dos fatos. As violências vão desde a ameaça à discriminação, à violência política, que impede as mulheres de assumirem seus espaços, às violências econômicas e financeiras”, disse.
Segundo ela, a persistência da violência contra a mulher é resultado de um padrão histórico de desigualdade. “As mulheres foram historicamente tratadas como coisa, propriedade, patrimônio dos homens — do pai, do irmão, do marido, depois do filho. Coisificadas, não tinham vontade própria, não tinham escolha, não tinham liberdade”, rememorou. A ministra ressaltou que essa lógica ainda deixa marcas no presente, inclusive na brutalidade de muitos assassinatos. “Nos feminicídios é comum o assassino desfigurar o rosto da vítima; é o dado de uma cultura feroz que nem os animais praticam. É a anulação da outra pessoa”, pontuou.
Cármen Lúcia enfatizou que a violência de gênero não nasce de sentimentos, mas de relações de poder. “A violência contra a mulher não é uma questão de amor nem de ciúme. É uma questão de poder. Alguém acha que pode tanto que tem o direito de vida e morte sobre nós, mulheres”, afirmou. Ela também criticou a manutenção de papéis sociais que restringem as possibilidades de atuação feminina. “Por que nos entregam tarefas como se continuássemos sendo as gatas borralheiras, cuidadoras da casa, dos meninos, dos jovens e dos idosos, como se aquele cuidado, que nem é regulamentado, fosse a única razão de ser da existência das mulheres?”.
Ao se dirigir aos jovens presentes no evento, a ministra destacou a importância da educação para transformar mentalidades e promover igualdade. “É preciso que haja outra forma de nos educarmos e de educar nossas crianças. Precisamos aprender a igualdade, ou o que chamo de igualação: a ação permanente pela igualdade de todas as pessoas na sua dignidade humana”, disse. Ela lamentou que, ainda hoje, mulheres continuem invisibilizadas. “Sempre tivemos mulheres na história que foram apagadas, silenciadas, porque não se queria que uma mulher fosse tomada como modelo. Isso não é diferente em 2025”.
Mesmo diante dos desafios, a ministra reforçou seu otimismo. “Acredito na juventude, acredito na humanidade e acredito demais que seremos capazes de construir uma sociedade livre, justa e solidária para todas as pessoas”. Ela defendeu que solidariedade, cuidado e afeto são valores essenciais para essa transformação. “A solidariedade nos faz mais fortes e mais afetuosos. O cuidado é próprio da humanidade”, acredita. A ministra concluiu com um apelo simbólico, citando a canção Fullgás, dos irmãos Antônio Cícero e Marina Lima. “Nesses tempos de tantos muros, de usar as mãos apenas com os dedinhos para mexer solitariamente nos celulares, talvez seja a hora de cantar de novo Fullgás e lembrar que, se a gente abre os braços, a gente faz um país”.

ATRASO HISTÓRICO – No evento, o reitor da UFC, Custódio Almeida, destacou o atraso histórico relacionado às questões de gênero. “Estamos muito atrasados. Estamos no século XXI discutindo igualdade entre mulheres e homens. Isso é ridículo”, afirmou. Ele acrescentou que outro problema é o processo de invisibilização da participação feminina na sociedade. “Não é que as mulheres não tenham protagonismo, mesmo em uma sociedade machista. É que esse protagonismo é escondido, abafado por interesses machistas.”
VALORIZAR A VIDA – Representando o presidente do TJCE, Heráclito Vieira, a desembargadora Vanja Fontenele, que acompanha de perto o projeto Arte para Transformar, afirmou que a valorização da vida deve orientar a formação das crianças e dos estudantes. “Queremos que eles e elas incluam em seus objetivos o respeito mútuo e igualitário, que emprestem seus valores ao bem comum. É necessário que nós todos consigamos valorizar ao máximo a vida humana e a vida da mulher”, enfatizou.

PRATICAR O BEM – A secretária da Educação do Ceará, Ana Estrela, reforçou a importância da educação para o enfrentamento das desigualdades. “Precisamos trabalhar nossas crianças e adolescentes para praticar o bem, para valorizar a vida e aprender a viver com respeito, para que no futuro não precisemos mais falar de violência contra a mulher, que não precisemos mais punir, ou que ao menos possamos reduzir drasticamente essa violência que tanto dói e mata”, conclamou.
MUDANÇA PROFUNDA – Também presente, a ativista Maria da Penha, reconhecida internacionalmente por sua atuação no combate à violência contra a mulher, destacou o papel central da escola para a mudança estrutural na compreensão e superação da desigualdade de gênero. “Quando falamos em enfrentamento à violência doméstica e ao machismo, muitas vezes pensamos apenas nas respostas do sistema de justiça. Mas a verdade é que nenhuma transformação duradoura se constrói apenas nos tribunais. A mudança profunda nasce na escola, nas conversas em sala de aula, nos projetos pedagógicos, na escuta qualificada, no incentivo ao pensamento crítico e no olhar atento de professoras e professores.”
Veja mais informações sobre a cerimônia de encerramento deste ciclo do projeto Arte para Transformar, incluindo a lista de estudantes premiados, no site do TJCE.
Fonte: Secretaria de Comunicação e Marketing da UFC – e-mail: ufcinforma@ufc.br
